Entre o fim de abril e o início de junho de 2024, o Rio Grande do Sul tomou conta dos noticiários nacionais por conta das fortes chuvas que ocorreram no estado. Dos 497 municípios gaúchos, mais de 90% foram afetados pelas enchentes. E, além dos deslizamentos, acidentes e outros eventos mais graves que exigem resposta imediata da Defesa Civil, a saúde pública foi um dos pontos de maior preocupação.
Não à toa: a epidemiologia – área da ciência que estuda o processo de saúde e doença na população – já mapeou que, em diferentes regiões do mundo, os desastres naturais são sucedidos por ondas de adoecimento. As patologias contagiosas e aquelas transmitidas por água contaminada, além das potencializadas pela proliferação de vetores (animais que auxiliam na sua transmissão), estão entre as mais frequentes nos territórios que se recuperam de alagamentos.
Além de investir em políticas de prevenção, mais baratas que os custos de reconstrução de cidades inteiras, ter protocolos de saúde pensados para essas ocasiões significa salvar muitas vidas na medida em que se consegue antecipar os ciclos epidemiológicos clássicos das enchentes e do pós-enchente.
Veja também: Epidemia de Dengue: como ela pode cair na prova do Enem?
Confira neste texto quais as doenças mais comuns e porque elas tendem a se proliferar mais rapidamente em meio aos alagamentos e no período posterior às cheias.
Quais as doenças mais comuns nas enchentes?
Durante o período de alagamento e nos dias que sucedem as enchentes, as doenças mais frequentes são aquelas causadas pelo contato com água contaminada e com animais que funcionam como vetores patológicos. Veja os casos mais comuns.
Leptospirose é um resultado direto de enchentes
A leptospirose é uma doença bacteriana que acomete os humanos quando há exposição direta ou indireta à urina de animais, sobretudo ratos. Nos períodos de enchente, isso é comum pelo fato de as pessoas não conseguirem se proteger adequadamente e serem impelidas a circular em meio à água.
A bactéria Leptospira tem acesso ao organismo por meio de pequenas lesões na pele, pelo contato com as mucosas e até mesmo pela pele íntegra, quando a pessoa se mantém submersa em água contaminada por mais tempo.
É importante observar o quadro clínico de quem vive em regiões de desastres porque, embora as enchentes possam causar exposição imediata à bactéria, o período de incubação da leptospirose costuma levar de sete a quatorze dias. Ou seja, ao se expor no dia 1, os sintomas tendem a começar a aparecer entre os dias 8 e 15 e podem surgir apenas no fim do primeiro mês.
Hepatite A pode aparecer depois de alagamentos
A hepatite A é outra doença transmitida por meio da água contaminada e, portanto, costuma ser mais recorrente em meio a alagamentos. Isso ocorre porque há contato com a água da chuva, mas também porque o sistema de saneamento básico das cidades afetadas frequentemente colapsa, dificultando o acesso à água potável mesmo por parte de quem não se expõe às enchentes diretamente.
Diferentemente da leptospirose, que é uma doença bacteriana, a hepatite A é uma patologia viral, e é transmitida quando ocorre a interação entre fezes contaminadas com a mucosa. Esse é o modo mais frequente, e é potencializado em casos de chuvas que não escoam facilmente.
Convém registrar que alimentos contaminados também podem propiciar a contaminação pela hepatite A. Como a higienização de frutas, legumes e outros itens também fica prejudicada quando não há água potável suficiente para o consumo humano em meio a desastres, isso acentua o potencial endêmico deste tipo de hepatite.
Tétano é uma das doenças que pode ser combatida com vacina
Outra doença preocupante em cenários de alagamento é o tétano. Como o contato com a umidade facilita a oxidação dos metais, há um risco maior de que a bactéria se instale nas fissuras causadas pela corrosão no material – habitat preferido da Clostridium tetani. A isso se soma o fato de que, em meio à água barrosa e acumulada, é mais fácil ferir a pele.
O tétano é uma doença grave e leva a óbito rapidamente, motivo pelo qual exige muita atenção. Mesmo quem está com a vacina dupla bacteriana em dia deve tomar nova dose caso tenha algum ferimento profundo, ou algum ferimento superficial sujo. Portanto, deve-se procurar atendimento médico preventivamente, caso haja risco de contaminação.
É importante também conhecer os sintomas da doença para ficar de olho em possíveis infecções. Dores, febre, espasmos e rigidez muscular são os sinais clássicos da instalação do tétano.
Saiba o que foi a Revolta da Vacina e como ela pode ser abordada no vestibular!
Verminoses podem ser perigosas em pessoas com a saúde mais frágil
Além das doenças causadas por micro-organismos – viroses, bacterioses e protozoonoses -, as enchentes podem aumentar o número de verminoses, que são as patologias oriundas da contaminação por platelmintos e nematelmintos. São exemplos a esquistossomose, a teníase, a ascaridíase e a ancilostomose, que têm diarreia, vômito e desidratação como sintomas mais frequentes.
Embora tais quadros sugiram um cenário menos grave, é importante redobrar a atenção no caso de crianças pequenas, idosos e adultos imunossuprimidos. Essas ainda são causas comuns de mortalidade nesses grupos.
Dengue é uma preocupação constante que aumenta depois de enchentes
O período de chuvas do Rio Grande do Sul ocorreu em um outono frio, que não costuma ser o momento de maior proliferação do Aedes aegypti, mas a dengue também é uma preocupação dos epidemiologistas. O Brasil iniciou este ano com um salto enorme nos casos da doença, inclusive em suas manifestações mais graves.
Trata-se de um motivo de alerta sobretudo porque as cidades alagadas, mesmo após o fim das chuvas mais fortes, podem ficar semanas com focos de água parada em diferentes pontos urbanos. Potencialmente, há muitos focos de criação de mosquitos.
Além disso, a dengue frequentemente exige uma estrutura mais robusta da saúde pública, seja no atendimento de um grande contingente de afetados pela endemia, seja por conta das internações que são decorrentes dos casos mais agravados. E, como é de se esperar, as enchentes fragilizam a capacidade de a administração estatal manter os equipamentos de saúde operando em sua escala máxima.
—
Gostou desse tema? Conheça mais sobre os cursos da área da saúde e inscreva-se no vestibular do Mackenzie!